Ordo Fratrum Minorum Capuccinorum PT

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updated 11:54 AM UTC, Mar 20, 2024

Paul Hinder, um bispo na Arábia pastor de imigrantes

A vida da Igreja do Golfo na entrevista com o Vigário Apostólico dos Emirados Árabes Unidos, Iêmen e Omã.

CRISTINA UGUCCIONI

ABU DHABI

“Eu me vejo, em primeiro lugar, como pastor de imigrantes”. Assim se define o bispo suíço Paul Hinder: 76 anos, membro da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos, em 2005 foi nomeado Vigário Apostólico da Arábia, um território vastíssimo que abrange o Iêmen, Omã, Arábia Saudita, Catar, Bahrein e Emirados Árabes Unidos. Em 2011, o Vicariato foi dividido: Bahrein, Catar e Arábia Saudita foram agregados ao Vicariato do Kuwait (desde então chamado Vicariato Apostólico da Arábia Setentrional). Iêmen, Omã e Emirados Árabes passaram a constituir o novo Vicariato Apostólico da Arábia Meridional, guiado pelo bispo Hinder. Neste território, os católicos, todos estrangeiros, são cerca de um milhão. Empregados sobretudo em alguns setores (construção, escola, serviços e trabalho doméstico), provêm de mais de cem países: na maioria, das Filipinas, da Índia e de outros países asiáticos. Há também um número consistente de fiéis de língua árabe (na maioria, provenientes do Líbano, da Síria, da Jordânia). Além disso, nos últimos anos, nota-se um significativo aumento de católicos de origem africana, europeia e americana. O bispo Hinder, que reside em Abu Dhabi, é autor do volume “Un vescovo in Arabia. La mia esperienza con l’islam (“Um bispo na Arábia. A minha experiência com o islamismo”, em tradução livre)” . Nesta entrevista a Vatican Insider, narra a vida da Igreja do Golfo, que ele define “de imigrantes e para imigrantes”.

Em seu Vicariato, a liberdade religiosa é limitada: quais limites as comunidades católicas sofrem em cada um dos países?

“As constituições desses países declaram o islamismo religião de Estado e indicam a sharia a fonte principal da legislação. As outras religiões são toleradas e podem ter lugares de culto: assim, por exemplo, a Igreja Católica possui oito igrejas (paróquias) nos Emirados Árabes Unidos e quatro no Sultanato de Omã. Atualmente, estamos construindo a nona igreja (paróquia) na região ocidental do Emirado de Abu Dhabi. Na República Unida do Iêmen, ao contrário, a vida pastoral está paralisada por causa da guerra. Embora não sejam impostas limitações ao decoro das igrejas, permanece severamente proibido expor símbolos religiosos visíveis ao exterior. Os nossos edifícios de culto, em geral, estão situados em lugares afastados. As conversões do Islamismo a uma outra religião são rigorosamente proibidas. O culto deve se realizar apenas nos lugares que são designados por cada governo. Do mesmo modo, assembleias de caráter religioso são consentidas exclusivamente no interior de edifícios colocados à nossa disposição para tal finalidade. Dentro destes limites, somos livres para desenvolver o nosso trabalho pastoral”.

Quais limites são mais difíceis de suportar?

“O que mais pesa é o espaço exíguo com o qual podemos contar: temos dificuldades para organizar tanto a catequese quanto os horários das celebrações eucarísticas, dado que o número dos fiéis é muito elevado e continua a aumentar em ritmos acelerados”.

No livro de iminente publicação, o Senhor escreve que a vida no Golfo “pode ser uma vida marginal ou de periferia de muitos modos”: quais?

“Quem chega nos países do Golfo para trabalhar deve estar consciente de que, ao contrário das expectativas, não encontrará a mina de ouro. Aqui se vive na provisoriedade seja no que se refere ao trabalho, que pode ser perdido a qualquer momento, seja no que se refere à permissão de residência, que é concedida por um máximo de dois ou três anos. Além disso, mesmo que no Golfo o estilo de vida seja parecido ao ocidental, estamos inseridos em um contexto cultural e religioso que nos permanece estranho. Nestes países, a integração dos estrangeiros não é nem desejada, nem consentida. A dos imigrantes é uma sociedade paralela e, neste sentido, é ‘marginal ou de periferia’”.

Qual é atualmente a situação no Iêmen?

“Infelizmente é dramática, mas é difícil ter um quadro preciso, eu mesmo ainda não posso entrar no país. Uma coisa é certa: a maior parte da população (27 milhões de pessoas) está prostrada pelos sofrimentos causados pela guerra, pelas doenças, pela desnutrição. O número dos cristãos, que foi sempre exíguo, diminuiu drasticamente. Atualmente, em Sanaa vivem dez Missionárias da Caridade, que se prodigam em assistir os mais pobres, mas em todo o país não há um sacerdote e os lugares de culto foram destruídos ou tornados inacessíveis. Os poucos fiéis que ficaram estão privados de cuidado pastoral. Quando haverá uma trégua duradoura e uma paz justa? Infelizmente não sabemos”.

No seu Vicariato, quais formas assume o diálogo inter-religioso, no qual o Senhor muito acredita?

“Considero o diálogo entre as religiões um dos fatores decisivos para o desenvolvimento do mundo. Com o islamismo, é uma via obrigatória; considero necessário, ainda que não fácil: os obstáculos não faltam. No Vicariato, ocasionalmente ocorrem congressos organizados na maioria por instituições muçulmanas. A isso, acrescentam-se eventos que envolvem todas as Igrejas cristãs e nas quais a Santa Sé tem um papel importante através do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso. Mas talvez a forma de diálogo mais significativa seja constituída pelos encontros pessoais: penso, assim, naqueles que tenho com representantes do governo, por exemplo, com o Ministro para assuntos religiosos, com docentes universitários e com pessoas muçulmanas que visito, e com as quais também estreitei relações de amizade. Estou convencido de que o diálogo mais frutuoso seja aquele que nasce no âmbito das relações pessoais, dia após dia: claro, os encontros institucionais em alto nível são úteis e necessários, mas às vezes correm o risco de se tornarem muito formais”.

Por que considera Abraão “uma grande fonte de inspiração para os cristãos do Oriente Próximo”?

“Abraão é considerado o pai das três religiões monoteístas e constitui um importante ponto de referência comum, ainda que as narrativas divirjam de uma religião a outra. Abraão deixou a própria pátria e experimentou a presença e o cuidado de Deus. Com seu ato e sua coragem, desafia e acompanha a nossa Igreja: para muitos imigrantes, Abraão é sinal de esperança e de orientação”.

Os seus fiéis, como vivem a celebração eucarística?

“Geralmente com grande fé e admirável atenção. Cada dia, milhares de fiéis participam da missa. Durante o fim de semana, as igrejas são lotadas, como raramente me aconteceu de ver na Europa”.

A propósito da Igreja do futuro, o Senhor afirma: “Penso que poderemos contribuir à reflexão com muitas experiências. Creio que, sobre alguns temas, nós estejamos mais à frente, do nosso modo, das comunidades e das dioceses da Europa”. O que pensa que a Igreja do seu Vicariato esteja oferecendo à Igreja toda?

“Considero que ser uma Igreja de imigrantes nos confira um caráter especial e talvez profético. Podemos testemunhar como viver a fé com coragem em um contexto não cristão: aqui, os fiéis católicos não escondem sua pertença religiosa, não têm medo de mostrar o que são e o que creem. São respeitosos para com a fé muçulmana, mas não temerosos. A sua é uma coragem serena. Talvez, de algum modo, sintam-se estimulados pelos próprios muçulmanos, que não temem mostrar a sua pertença religiosa. A coragem manifestada pelas nossas comunidades, penso que possa servir de exemplo: na Europa, às vezes parece que os cristãos quase sintam vergonha de ter fé. Além disso, o fato de ter um número limitado de sacerdotes (cerca de 65 para um milhão de católicos) leva centenas de católicos a se empenhar muito mais do quanto ocorre na Europa. Sem o esforço gratuito e generoso desses fiéis, a nossa Igreja não teria a vitalidade que conhecemos. Para nós, a expressão “alegria do Evangelho” (Evangelii Gaudium) não é vazia, mas realidade vivida. Poder contar com estruturas relativamente frágeis e muitas vezes provisórias, por um lado, garante maior flexibilidade, por outro, constitui um desafio permanente: não é fácil manter a unidade e a comunhão profunda entre fiéis de nacionalidades, culturas, línguas, ritos diversos. Parece-me, contudo, que o esforço diário em manter unidade e comunhão dê a esta Igreja uma sensibilidade que talvez, às vezes, falte nas paróquias de antiga tradição, caracterizadas não raramente por uma mentalidade ‘nacionalista’”.

Quais são os principais problemas da sua Igreja?

“Como acenei há pouco, um dos maiores se refere à manutenção da unidade na diversidade. Fechar-se no próprio grupo linguístico ou cultural é um risco real para os nossos fiéis. Por isso, considero importante que haja um só bispo para todo o rebanho: deste modo, estamos mais protegidos do risco de um “tribalismo eclesiástico” que, frequentemente, tem dificuldade em olhar além do próprio quintal. Um outro problema, que representa um desafio para nós, pastores, é a condição de “solteiros artificiais” que caracteriza a maior parte dos nossos fiéis, que são casados, mas separados do cônjuge que ficou na pátria. Esta condição causa problemas afetivos e comportamentos não exemplares, que precisam ser encarados. Um outro problema é constituído pelas injustiças sofridas por não poucos fiéis: assisti-los da melhor forma sem entrar em conflito com as autoridades civis ou com os empregadores é uma tarefa exigente e delicada. Ser uma Igreja constituída exclusivamente por imigrantes significa viver na constante insegurança, na provisoriedade: se muda a situação econômica ou a política dos governos, nas nossas comunidades as consequências são sentidas imediatamente. Pode acontecer que um número consistente de fiéis perca improvisamente o trabalho e seja forçado a deixar o país”.

O Senhor afirma que a Igreja de amanhã “será uma Igreja do tocar e do deixar-se tocar. Ou então não será”: o que quer dizer?

“As estruturas da Igreja são necessárias, mas, na minha opinião, decisivos para a Igreja de amanhã serão os vínculos entre os fiéis. É necessário que, dentro da comunidade, as relações se tornem menos institucionais e mais pessoais, humanas. Quando falo de uma ‘Igreja do tocar e do deixar-se tocar’, penso em Jesus, que não temia em se comprometer com os excluídos do seu tempo. O Papa Francisco constantemente nos lembra que apenas uma Igreja que sai da segurança e tem a coragem de ir à periferia será viva”.

Quais são as maiores fadigas e alegrias que o Senhor tem experimentado nestes anos à frente do Vicariato?

“As alegrias superam as fadigas. Penso na fé e no entusiasmo dos nossos irmãos, no esforço de centenas de mulheres e homens em nossas comunidades, no fervor e na fidelidade dos sacerdotes e das religiosas, nas grandes celebrações eucarísticas festivas com milhares de pessoas. Entre as fadigas, cito as dificuldades, às vezes instransponíveis, para realizar os muitos projetos que tenho em mente; os longos, extenuantes procedimentos para obter as permissões que nos são necessárias; o egoísmo de alguns grupos de fiéis, que determina situações conflitivas. Frequentemente, sinto-me como São Paulo com as suas comunidades: cheio de gratidão e de alegria olhando sua fé e, ao mesmo tempo, exausto pelos esforços realizados para superar os conflitos internos. Sou um trabalhador na vinha do Senhor e sei que é Ele quem faz crescer os frutos: sigo em frente com serenidade”.

Fonte: Paul Hinder, un vescovo in Arabia pastore di migranti


 

Um bispo na Arábia. A minha experiência com o Islamismo

Paul Hinder book“Preto no branco, e pronto: não funciona assim. E, sobretudo, assim não funciona nenhum diálogo. A análise das diferenças é inimiga da espetacularização emotiva e da mobilização. Quando se vive em regiões como a nossa, então tudo se torna mais fragmentário, pois fazemos outras experiências”. Desde 2003, Paul Hinder é bispo na Península Arábica, terra sagrada para todo muçulmano, pois aqui Maomé fundou a religião inspirada no Corão. Nestas páginas, pela primeira vez, um bispo católico conta o que significa viver como cristãos nos países governados pelos xeques dos petrodólares, onde a fé islâmica abrange cada aspecto da vida e não existe liberdade religiosa, mas apenas de culto. O testemunho do bispo Hinder é precioso, pois narra em primeira pessoa as dificuldades, as esperanças e as conquistas daquele diálogo entre cristãos e muçulmanos, que permanece uma das chaves para a paz no mundo. Alheio a qualquer reducionismo no debate inter-religioso, realista em encarar os desdobramentos de uma convivência sociorreligiosa que interpela também o Ocidente, Hinder oferece um exemplo daquele otimismo da esperança, próprio de quem vive a fé cristã como razão de vida. E, por isso, não tem nem medo do outro, nem vergonha da própria tradição.

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Última modificação em Segunda, 29 Outubro 2018 13:47